Amor maduro 2
Kátia Cristina
Ele é apenas quase silencioso.
Não é menor em extensão.
É mais definido, colorido e poetizado.
Não carece de demonstrações: presenteia com a verdade do sentimento.
Não precisa de presenças exigidas: amplia-se com as ausências significantes.
Mas vive dos problemas da felicidade.
Problemas da felicidade são formas trabalhosas
de construir o bem e o prazer.
Problemas da infelicidade não interessam ao amor maduro.
o ficar com o gosto da boca e do cheiro,
está a compreensão antecipada, a adivinhação,
o presente de valor interior, a emoção vivida em conjunto,
os discursos silenciosos da percepção,
o prazer de conviver, o equilíbrio de carne e espírito.
Carne intensa, alegre, criança, redescobrimento
das melhores dimensões pessoais e alma refeita,
abastecida de todas as proteções necessárias,
um enorme empório de afinidades acima e além
de meras concordâncias intelectuais.
Os problemas daí derivados são os problemas da felicidade.
Problemas, sim, alguns graves. Mas estalantes de um sentimento bom.
o não conseguir, a rejeição, a dor, o cansaço,
a troca com perda, a obrigação, o tédio, o desencontro,
o insulto, o ciúme machucante, as futricas de família,
as peles se eriçando e os toques que dão susto.
Os problemas da infelicidade não devem ser trazidos
para a trama do amor maduro. O amor maduro é sólido e definido.
Mas estranhamente se recolhe quando invadido pelos problemas
da infelicidade que fazem a glória do amor imaturo.
Acaba acabando.
pouco pergunta, menos quer saber. Teme, sim.
Porém não faz do temor argumento. Basta-se com a própria existência.
Alimenta-se do instante presente valorizado e importante
porque redentor de todos os equívocos do passado.
O amor maduro é a regeneração de cada erro.
Ele é filho da capacidade de crer e continuar.
É o sentimento que se manteve mais forte depois de todas
as ameaças, guerras ou inundações existenciais
com epidemias de ciúme, controle ou agressividade.
e a relação com a parte salva de cada pessoa.
Ele vive do que não morreu mesmo tendo ficado para depois.
Vive do que fermentou criando dimensões novas
para sentimentos antigos, jardins abandonados cheios de sementes.
Ele não pede, tem. Não reivindica, consegue.
Não persegue, recebe. Não exige, dá. Não pergunta, adivinha.
Existe, para fazer feliz.
Só teme o que cansa, machuca ou desgasta.
iluminuras, enfeites, papel de presente, flâmulas, hinos,
discursos ou medalhas: vive de uma percepção tranqüila
da essência do outro. Deixa escapar a carência
sem que pareça paupérrima. Demonstra a necessidade
sem que pareça voraz. Define uma dependência
sem que se manifeste humilhante.
Basta-se com o todo do pouco. Não precisa nem quer nada do muito.
Está relacionado com a vida e sua incompletude,
por isso é pleno em cada ninharia por ela transformada em paraíso.
É feito de compreensão, música e mistério.
É a forma sublime de ser adulto e a forma adulta de ser
sublime e criança.
Suave mas definido. Discreto mas certo.
Um sol, que aquece até queimar.